Cinzas da História
Contamos a História tantas vezes que já não a ouvimos.
A História ardeu.
O que resta são cinzas — e já ninguém pergunta o que ali se queimou. Ficaram marcas no chão, mas esquecemo-nos de olhar para elas. Ficou o cheiro, mas habituámo-nos a respirar fumo como se fosse ar limpo. Ficaram as estátuas, das quais as luzes se apagaram.
Arderam casas; ruas; nomes; e gente com nome. Não foi um incêndio imaginário: foi concreto, palpável. Deixou órfãos, deixou silêncio. Mas agora fala-se da História como se fosse somente uma lembrança — uma rua, uma placa, um feriado. Como se tivesse nascido em mármore, quando nasceu de gritos, fome e sangue.
E talvez por isso se olhe para o passado com tédio, como quem folheia um caderno em branco, mas que tudo tem escrito. É neste vazio aparente que o passado volta com sede. E volta sempre.
Ir a museus devia ensinar-nos a não repetir. Mas há quem vá tirar ideias. A História não desapareceu, está em toda a parte — o problema é termos deixado as cinzas ao vento, prontas a polinizar.
O passado não regressa de repente numa marcha. Regressa antes nos gestos banais, nas frases ditas ao acaso. Volta nas palmas que se batem em momentos certos, nas palavras que circulam nos cafés, nos comentários que passam despercebidos. Quando ouvimos isto, é sinal de que já cá anda. Quando chega a marcha, já os corações estão alinhados.
Queimaram-se tantos nomes em nome do que temos hoje, que custa ver a tentação de voltar a chamar pelo fogo. O fumo que parecia espesso dissipou-se da memória, mas não da realidade. Diz-se “nunca mais”. Mas já ninguém se lembra a quem se diz.
Escrito a 5 de outubro de 2025 por Francisco Ambrósio.


